quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Viroses infantis

Reproduzo agora uma entrevista realizada pelo Dr. Dráuzio Varella e que considerei muito importante para essa época do ano.

Dra. Denise Varella Katz é médica pediatra, membro do Departamento de Pediatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo e do Hospital Albert Einstein.
Viroses infantis são termos desprovidos de significado médico. No passado, como não se dominava o conhecimento e a tecnologia necessária para fazer diagnósticos precisos, muitas doenças recebiam a classificação genérica de viroses. Na verdade, esse nome funcionava como uma lata de lixo onde se atiravam todas as febres infantis sem causa aparente. “É virose, vai passar em poucos dias”, e as famílias se conformavam com o nariz escorregando, a diarréia, a febre, o mal-estar, a inapetência e a imagem abatida da criança.

Atualmente, os médicos contam com recursos laboratoriais e de imagem para fazer diagnósticos mais rápidos e seguros - o que é muito importante - pois nem todos os vírus são iguais. Aliás, são seres relativamente simples, mas muito diferentes uns dos outros. Em comum, têm a característica de necessitar de uma célula viva que lhes sirva de hospedeira para reproduzirem-se.

Quando começam a freqüentar a escola ou o berçário, as crianças estão mais expostas à infecção por vírus. Contra algumas delas existem vacinas. É o caso da gripe, rubéola, poliomielite, sarampo e caxumba, por exemplo. Para outras, não existem.

Algumas viroses podem ser tratadas com drogas antivirais. Não se podendo contar com elas, o tratamento será apenas sintomático. Antibióticos só devem ser introduzidos caso surjam complicações.
 
Drauzio – Qual a principal característica das viroses?


Denise Katz – Virose não é um termo técnico em medicina. Quando o médico diz que a criança tem uma virose, tanto pode significar que tem um resfriado comum ou uma diarréia, porque existem vírus que se alojam no trato respiratório, assim como existem os que se alojam no trato intestinal e causam diferentes sintomas.

O importante, porém, é que as viroses costumam ser doenças benignas, autolimitadas, que geralmente desaparecem numa semana, dez dias.
Drauzio – Como a mãe reconhece que o filho contraiu com uma virose?

Denise Katz – Quanto mais novo for o bebê, principalmente antes dos três meses de idade, o primeiro sinal é a criança mamar menos e ficar menos espertinha. Já as mais velhas ficam mais chorosas, mas sabem contar o que sentem. Esses são sinais subjetivos das viroses. Os sinais objetivos são coriza, tosse, febre, que a mãe prontamente reconhece.

Portanto, febre, nariz escorrendo, indisposição e, em quase 100% dos casos, perda de apetite – o bebê mama menos no peito ou recusa a mamadeira, ou nada apetece à criança maior – são sinais precoces de que um vírus pode estar alojado no sistema respiratório ou intestinal.

Drauzio – Rosangela, você é mãe de duas crianças, uma com um ano e pouco e outra com alguns meses. Seus filhos já apresentaram esses sintomas típicos das viroses?


Rosangela Conchon – Com certeza. Principalmente o Laurent, o mais velho, por ser portador também de um quadro alérgico, vira-e-mexe apresenta esses sintomas. Hoje, quando o levo ao consultório da Dra. Denise, até prefiro que diagnostique uma virose a uma infecção que o obrigue a tomar antibióticos. A virose, pelo menos, eu sei que passa em uma semana.
Drauzio – O Laurent já está na escola?

Rosangela Conchon – Está no berçário desde os dez meses.
Drauzio – Em geral, quando a criança entra na escola, os episódios de viroses ficam mais freqüentes. Isso aconteceu com o Laurent também?

Rosangela Conchon – A incidência aumenta mesmo, mas o Laurent teve viroses sempre, mesmo antes de ir para o berçário, porque desde pequeno apresenta um quadro alérgico.
Drauzio – Como você age quando Laurent tem uma virose?

Rosangela Conchon - Desde que ele começou a freqüentar o berçário, minha preocupação maior é perguntar para a dra. Denise se a virose é contagiosa e se posso mandá-lo para o berçário. Como há oito berços em cada quarto, a convivência próxima das crianças aumenta a probabilidade de transmissão do vírus. Não sei se todas as mães têm essa consciência. Eu, felizmente, tenho um respaldo que me permite deixá-lo em casa aos cuidados de outra pessoa.
Drauzio – Às vezes elas têm consciência, mas não têm condições de deixar a criança em casa por causa do trabalho.

Rosangela Conchon – Eu posso contar com o respaldo de uma pessoa para ficar com o Laurent em casa, mas sei que essa não é definitivamente a realidade de todas as mães.
Drauzio – Você notou se seu filho ficou mais doente depois que entrou na escola?

Rosangela Conchon – Acho que teve mais viroses. Inclusive, logo depois que entrou no berçário, teve estomatite, doença que lhe provocou muito sofrimento.

Drauzio – Estomatite são aftas que tomam conta da boca, em geral provocadas pelo herpesvírus. Esse foi a caso do Laurent?


Rosangela Conchon – Foi, sim.
Drauzio – Infecções por herpes são comuns nessa fase, Denise?

Denise Katz – A estomatite é uma doença muito contagiosa e bastante comum. Os principais sintomas são inchaço na gengiva, febre alta, salivação abundante, indisposição. As crianças não se sentem bem e param de comer imediatamente.
Drauzio – As infecções herpéticas são conhecidas popularmente como febre intestinal e provocam o aparecimento de bolinhas cheias de líquido nos lábios que somem em cinco, sete dias. Embora, em sua maioria, sejam infecções benignas, o primeiro episódio costuma ser muito grave na criança. Você poderia explicar por quê?

Denise Katz – É muito grave por causa do risco de desidratação, pois as crianças ficam dias sem ingerir absolutamente nada, nenhum líquido sequer.
 
Drauzio – Como a mãe pode reconhecer logo a desidratação na criança?


Denise Katz – O primeiro sinal é a letargia. A criança fica apática, não se mexe muito nem reage aos estímulos. Existem outros sinais objetivos: olhos encovados, saliva espessa, diurese comprometida e a criança pára de babar. Muitas vezes, pode ficar com a mesma fralda por seis, oito horas, porque deixa de fazer xixi. Nos lactentes, há um rebaixamento da fontanela (moleira).

Drauzio – Em quantas horas a fralda seca deve inspirar cuidados?

Denise Katz – Nos bebês com menos de seis meses, se a fralda continuar seca depois de quatro a seis horas, é um sinal importante de desidratação. Na criança maior, não é.
 
Drauzio – Estivemos no berçário do Laurent e ouvimos o que algumas mães tinham a dizer a respeito da incidência de viroses depois que os filhos entraram na escola.


Mãe 1 – Fui chamada na escola porque meu filho mais velho estava com febre, diarréia e vômito. Levei-o ao pronto-socorro e o pediatra diagnosticou uma virose.

Mãe 2 – Assim que entraram na escolinha, meus dois filhos começaram a ter mais viroses. Especialmente no inverno, se um não pega aqui, pega em casa, porque o contato entre as crianças é muito grande.

Mãe 3 – Meu filho mais novo já ficou gripado quatro vezes neste ano. Existe alguma vacina, medicação ou cuidado especial para diminuir essa incidência?
 
Drauzio – Existe vacina, Denise?


Denise Katz – A gripe clássica é causada por vírus. O mais comum é o influenza e contra ele existe vacina. O que se preconiza é que essa vacina seja dada, uma vez por ano às crianças acima de seis meses. Isso não garante que nunca ficarão gripadas, porque os vírus sofrem mutações com muita rapidez. Conseqüentemente, o influenza deste ano não é o mesmo do ano passado nem o mesmo do próximo ano. Então, as vacinas aplicadas em determinado ano foram produzidas com a cepa do vírus que existia no ano anterior. A rigor, o bebê que toma vacina hoje está sendo imunizado contra um vírus que causou um surto no ano passado.

De todo modo, é importante aplicar a vacina, que o torna menos susceptível a infecções graves de vias aéreas.
Drauzio – As pessoas confundem gripe com resfriado. Escorreu o nariz, a mãe acha que o filho está gripado. São muitos os vírus que causam resfriado. Na verdade, parece que são mais de 200.

Denise Katz – São vários, e poucos são conhecidos, poucos têm nome. No entanto, é preciso distinguir o resfriado comum da gripe, porque são infecções muito diferentes uma da outra e diferentes da bronquiolite, outra infecção causada por vírus que acomete especialmente as crianças pequenas.
Drauzio – Você poderia explicar o que é bronquiolite?

Denise Katz – Bronquiolite é um quadro pulmonar que acomete o bebezinho geralmente abaixo dos seis meses de vida, causado pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Quanto mais cedo o bebê for infectado, mais grave pode ser a doença.

O principal sintoma da bronquiolite é a respiração difícil e acelerada. Por conta disso, o bebê mama menos e muitas vezes precisa ser hospitalizado para receber oxigênio e fazer inalação.

O vírus sincicial respiratório infecta 70% das crianças abaixo de um ano e 100% das crianças entre um e dois anos. Pode provocar um quadro pulmonar grave ou sintomas mais leves como coriza, febre baixa e tosse. Nesse caso, a criança pode ser tratada em casa.

É sempre bom lembrar que quanto maior a criança, mais competente será sua imunidade e melhor a resposta à infecção viral.
Drauzio – Essa é mesmo uma regra geral: crianças menorzinhas estão mais sujeitas a infecções mais graves.

Denise Katz – São mais suscetíveis. Por conta disso, maior número de infecções e as de maior gravidade afligem mais as crianças pequenas.

Drauzio – Seu filho já contraiu alguma virose na escola que tenha sido transmitida por outra criança?

Rosangela Conchon – Não que eu saiba. Nas vezes em que o Laurent adoeceu, é difícil dizer de quem ele pegou a virose, porque convive com outras pessoas fora do berçário.
Drauzio – Quando seu filho pega uma virose, você, seu marido e a irmãzinha pegam também?

Rosangela Conchon – A irmã menor está com quatro meses e teve virose só uma vez na vida. Não sei se ela é mais resistente, o fato é que, nessa idade, o Laurent já tinha tido pelo menos umas dez infecções.
Drauzio – Existe mesmo essa diferença entre as crianças?

Denise Katz – Isso é muito individual. Há crianças que pegam menos infecções; outras pegam mais. Entretanto, quanto mais expostas forem a fatores de risco, maior a probabilidade de serem infectadas, independentemente de suas características individuais.

A exposição aos fatores de risco será ainda mais perigosa, se houver muitas crianças doentes aglomeradas em locais pouco arejados e com higiene precária. Lavar as mãos é essencial para prevenir o contágio. Pouca gente tem o hábito de assoar o nariz e lavar as mãos em seguida. Os vírus sobrevivem por semanas no ambiente, nas nossas roupas, nos objetos que manuseamos. A secreção nasal recolhida nos lenços tem carga viral muito grande. Se alguém assoar o nariz e for preparar uma mamadeira sem lavar as mãos, é quase certo que a criança será infectada.
Drauzio – Na verdade, as viroses respiratórias são transmitidas com muito mais facilidade pelo contato das mãos do que por tosse, espirro, etc. Esse é um dos maiores desencontros da assim chamada sabedoria popular. Você vai dar um beijo numa pessoa gripada, ela se afasta – “Não me beije, que estou gripada” – e estende a mão. O risco de pegar uma infecção viral é menor beijando do que apertando as mãos do doente.

Denise V. Katz – A maioria das pessoas acha que a transmissão do vírus se dá pelo contato com a pessoa gripada ou pela inalação de gotículas expelidas pela tosse. Claro que isso tem importância. Não se pode esquecer, porém, de que as mãos e os objetos contaminados pela secreção impregnada de vírus vivos são veículos importantes para transmitir as viroses.
Drauzio –A criança que não vai para a escola pega de vez em quando uma infecção, porque o pai chegou em casa resfriado, por exemplo. Assim que entra na escola, porém, é uma virose atrás da outra. As mães se perguntam, então, o que é melhor: mandar a criança mais cedo para a escola para que pegue logo as doenças ou deixar em casa até que esteja mais crescida.

Denise V. Katz – Nem uma coisa nem outra. Retardar a entrada da criança na escola não garante que ela ficará livre das infecções, assim como não está certo mandá-la mais cedo para que pegue logo tudo o que tiver que pegar. A natureza não depende dessas escolhas.

No mundo moderno, é difícil encontrar mães que possam ficar em casa cuidando da criança em tempo integral. A maioria precisa colocar a criança no berçário antes dos dois anos de idade. Se isso aumenta a exposição do bebê às infecções, também faz com que adquira mais imunidade.

No entanto, a decisão deve ser tomada com muito bom-senso. Temos de ponderar o que é bom e o que é ruim para a criança e arcar com as conseqüências. Ficar doente seis, oito vezes por ano, com gripe, resfriados, diarréia aguda por rotavírus (um vírus de altíssima incidência nos berçários) é um preço muito alto.
Drauzio – Rosangela, você colocou seu filho no berçário com que idade?

Rosangela Conchon – Ele ia completar onze meses. A menor tinha acabado de nascer e cuidar de dois nenês em casa era muito complicado. Por isso, resolvemos colocar o Laurent meio período no berçário. Com a Juliana, até em virtude do que Dra. Denise falou, estou tentando retardar a entrada no berçário, embora ache que, se existe a desvantagem de expor mais a criança aos fatores de risco das doenças, não se pode negar que ela fica mais esperta e passa a interagir mais depressa. Acho também que a convivência diária com outras crianças é muito benéfica.
Drauzio – Que cuidados você tomou ao escolher o berçário para colocar o Laurent?


Rosangela Conchon – Moro na Granja Viana, onde há cerca de quatro ou cinco berçários. Visitamos todos, mas pesou na nossa escolha o fato de o berçário em que matriculamos Laurent ter muito verde e permitir que eu acompanhe pela internet o dia-a-dia do meu filho.


Drauzio – Como isso é possível?

Rosangela Conchon – Quando a criança é matriculada, os pais ganham um CD que permite acessar a escola que tem câmaras espalhadas por todos os ambientes. Isso me deixa bastante sossegada, especialmente porque meu filho ainda não fala.

Drauzio – O que você observava quando visitava os berçários?

Rosangela Conchon - Observei principalmente as condições de higiene e se havia locais para lavar as mãos estrategicamente distribuídos pelo berçário e não apenas num banheiro localizado no fim de um corredor, porque os funcionários teriam dificuldade de ir até lá , uma vez que estão sempre ocupados com as crianças.

Verifiquei também se os ambientes eram amplos e arejados, sem cheiro de mofo, sem carpetes, cortinas nem outros objetos que favorecem o acúmulo de pó e a incidência de alergias. Como se sabe, alergia anda junto com infecção respiratória e provoca aumento da secreção de forma perene. Criança que está sempre com coriza corre risco maior de abrigar vírus.

Na minha visão era importante que, pelo menos os aposentos freqüentados pelas crianças tivessem janelas que pudessem ser abertas, para evitar a exposição ao ar-condicionado, porque ar mais seco aumenta a dispersão de inúmeras partículas, entre elas, os vírus.

Procurei me informar também sobre o número de funcionários contratados. Um funcionário só para cuidar de 20 crianças não tem tempo para lavar as mãos nem tampouco condições de prestar assistência individualizada a seu filho.
Drauzio – Se tivesse que resumir tudo isso num único cuidado, qual seria?

Denise Katz – Lavar as mãos, sem dúvida nenhuma. No berçário e em casa também. Lavar as mãos é a orientação que dou já na maternidade. A família pode beijar o recém-nascido? Pode, desde que todos lavem as mãos antes de chegar perto do bebê. O pai voltou do trabalho e está louco para ver o filho? Que passe antes no banheiro e lave bem o rosto e as mãos.

Um comentário:

  1. porque as crianças pequenas estão mais sujeitas à desidratação?

    ResponderExcluir